quarta-feira, 2 de setembro de 2015

No real e nos sonhos...

Quando era mais nova, ouvindo Tim Maia, me deparei com uma música chamada "o Universo em Desencanto". Esse título me capturou. Hoje vejo um Universo em Desencanto. Não me refiro a cultura do "Mundo Racional", mas sobre a junção dessas palavras. Vejo o Universo se desencantando por entre minhas retinas. Algumas verdades tão fajutas, caindo em farelos no meio da grande realidade distorcida. Tão fajutas que sinto até vergonha por ter acreditado algum dia. Mas faz parte. São nossos processos. E para mim, o que é insignificante, para outros é vivido diariamente com foco, determinação e otimismo. E sinceramente? Não acho isso ruim não. Contanto que respeitemos - todos nós - os espaços e as diferenças, por que não se entusiasmar com algo? Acho muito bom.
O Universo se desencantou em mim. No real e nos sonhos. A poeira baixou. Esfriou o Tempo. O Sol se pôs. Vi coisas incríveis por detrás das cortinas. Do véu. E que fantástico! Mas serão minhas delícias vividas numa vida simples, sem desgastes. Sem berrar nada no ouvido de ninguém. Sem empurrar goela abaixo nada. Vou viver. Simples assim. Vou caminhar por esse Universo desencantado, decantado. Pisar na poeira que assentou-se no fundo do Mundo, no fim de tudo. Vou erguer uma rede na distorção do espaço e deitar-me por ali, conviver com encantos e desencantos. Onde Céu e Terra se fundem. Onde estrelas e plânctons se confundem. Onde todo o caos seja suspenso na Atmosfera, sem gravidade, sem velocidade, e eu contemple toda a obra com calma, tendo a certeza de que todas as escolhas foram minhas. Que eu tive, tenho, e terei sempre opções. Tendo a certeza que esse caos íntimo tocando a alma na verdade é harmonia, e que algumas certezas são simplesmente ilusões. Tão frágeis, que se desfazem com um olhar.




Vincent Van Gogh - Noite- Estrelada

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O mundo e a Ilusão

É estranho quando me disponho a olhar ao longe a paisagem e dissolve-se tudo o que me é real. Fica desconfigurado o que me resta na impressão, e por impressão, me acerta. Parece-me irreal e insólito o que vejo. Não na miragem, no trajeto, mas nas feridas do mundo aberto, nas entranhas do meu peito. No cérebro me desconfigura a realidade da vida. Essa vida que todos costumam dizer como é. Na realidade, ela se desfigura a cada amanhecer, e pode ser como pode não ser. Quando digo o que penso é uma reflexão de olhar, porque não preciso pensar pra dizer o que vejo. Olho para o asfalto, e se desintegra. Para o mendigo, e se desintegra. Para os olhos abatidos, e se desintegram. Para o sofrimento, e se desintegra. Por quê dizem, então, que vivem em paz? Sendo que paz, não conhecem, nunca sentiram? Por quê esse mundo permanece insensível com qualquer sorriso ou esforço incrível? E esse modelo de sociedade que reveste chacinas muito bem compradas e pagas? Por quê diabos se dizem democráticos, se a cada esquina há um corpo crivado de balas? O silêncio me grita, vem aos berros e me acerta o estômago, e se desintegra.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Lisura

Acordei seis da manhã de um Domingo.
Desci as escadas. Sentei no sofá e tudo estava quieto.
Banhei-me de silêncio e calma. Fechei os olhos, e a brandura do Amor me aqueceu.
Sorri.

Um gole de café para enfrentar a braveza humana,
para matar no peito a ressaca do mar.
Para ganhar o amor numa tragada da vida.
Para beijar o rosto com poesia.

Tudo me convidava a dançar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Rearranjo

Eu tinha dado um tempo, é verdade. Dizer que tinha parado de escrever é mentira. No fundo eu só estava com vergonha. Parecia sem sentido continuar a escrever. Eu só não sei se essa vergonha era do ato de escrever ou dos pensamentos que me continham. De qualquer forma, foi um choque descobrir isso. Escrever é a forma de sinalizar o socorro. Ou a fúria. Ou o medo.
O medo. Esse bastardo! Está a me rodear, nesse exato momento. Talvez esse medo que tenha me constrangido. Me julgando, voraz, as palavras desmedidas. Querendo me apequenar. Me empobrecer. Querendo assaltar minha alma e devorar meu coração, sem qualquer pudor ou classe. Escrever é se expressar. Simples assim. O que se origina dessa expressão é revelador, renovador, frio ou triste. Eu levei um choque ao perceber-me constrangida de escrever. Expressar o que sentia, me aceitar como estava - porque estamos sempre mudando - de empoeirar. O medo, esse cretino sem alma, estava se nutrindo em minhas víceras. Pode parecer imbecil aos que lêem sem intimidade com o ato de escrever, mas voltar a rabiscar esse monólogo endurecido salvou minha vida. Salvou porque não me escondi novamente, mesmo sentindo o medo na nuca, grudado, sedento. Salvou porque eu me senti, depois de anos escondendo todo e qualquer sentimento, sentindo que era errado tudo aquilo que me cercava. Me reprimindo para agradar a todos. Salvou porque me reeduquei. Tive dignidade de olhar para o que eu ignorava. E eu nem sabia que ignorava. Não percebia que estava me julgando, me escondendo atrás de desculpas que eu mesma já não acreditava. Já não aceitava mais. Que estava me maltratando. Eu estava tão distante de mim... Percebo agora. Salvou porque me deu coragem de me olhar e de seguir também.
Era natural escrever, assim como respirar. Nesse momento, sinto-me desorientada, como quem acordou de um longo período de sono, e sente dificuldades para manter-se em pé. As palavras não se encaixam. Mas me contento. Por hora, sinto-me feliz em rever essa velha amiga, a literatura dos acometidos pela covardia do medo e resgatadora de sonhos.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sabe o que é?

É que estou calma, pensando em nada, e aquilo começa a me chacoalhar por dentro. Um estremecer de vontade, sabe? Aquilo vem surgindo do silêncio e da plenitude. E eu fico louca. Vontade de gritar, de sumir. De rir, de abraçar. Depende de como vem. Uma onda boa ou paranóia.
Mas tá tudo bem. Dá vontade de gritar, mas passa. O choro vem em um bocejo. E passa. O Amor se explode como uma supernova. Nada mais do que estamos acostumados, certo?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Trecho de um livro futuro...


Três dias depois de não procurar por ninguém nem por nada, William ouviu um som muito belo em uma determinada residência. Não pôde evitar de encontrar-se com as notas vindas de um piano. Aproximou-se da janela. Era Sofhia. William observou sua amiga tocando calmamente, e dominada por um êxtase que William não sabia existir. O momento tocou o rapaz profundamente, e enquanto Sofhia tocava, William era levado por sua mente para lugares inimagináveis. Quando Sofhia terminou de tocar, William se fez presente. Sofhia o convidou para entrar. Abriu a porta para seu amigo abalado, e William entra como que estivesse em transe. Tão admirado pela beleza, pela leveza, pelo espírito e pela música, olhos vidrados e úmidos, William senta-se perto do piano. Visivelmente abalado, William abaixa a cabeça e fecha os olhos. Sofhia sorri.
Extraordinário, Sofhia! Seu amor pela música tocou-me profundamente! Deve ser maravilhoso fazer algo com tanto amor e ainda receber por isso. Sofhia se aproxima.
Toco piano para existir. Me encontro nas notas e elas fazem parte de tudo o que sou. Existo de forma anacrônica e me orgulho de fazer parte disso. Não toco piano porque necessito de dinheiro para sobreviver. Toco piano, reproduzindo extraordinárias melodias porque a música faz parte de mim. Faz parte de quem eu sou. E eu prefiro existir dentro da melodia, do que trabalhar sem propósito ou significado. Quando executo alguma peça no piano, eu mal posso acreditar que sou eu quem está tocando. Eu realizo as mais belas melodias que outros seres humanos tiveram a genialidade de criar. Eu faço parte desse momento, ele existe. Fico pensando: "Não acredito que eu estou tocando esta linda peça." ou então, "Eu compus algo que tem muito valor para mim. Não vejo mais significado do que isso." Ah, como tenho sorte de ter a música!
Sofhia encara seu amigo com uma doçura.
Creio que este é o propósito de existir, William. Realizar tarefas das quais você se orgulha e se identifica. Um homem sem propósito se torna sem valor para si mesmo. E como existir sem ter seu devido valor?
Sentou-se na frente do piano, e o encarou. Pousou sua mão nas teclas e pressionou levemente os botões, surgindo uma melodia entre dó e mi. William fechou os olhos e entendeu o significado que Sofhia lhe dissera. A música lhe falava mais alto. Sofhia sentou-se ao seu lado e tocou o Estudo op.10 nº3 , "Tristesse", de Chopin. As notas tocavam calmamente a dor e a vida de Sofhia. William fechou os olhos e deixou-se levar pelo momento. Mesmo sendo uma música para estudos, havia muito diálogo entre eles. William então, entendeu o que Sofhia lhe dissera. Entendeu também, as palavras de Horácio. Entendeu o que havia feito no lugar mágico até então. Propósito. De existir, de sentir. De ser. Fechou os olhos, entre uma nota e outra. Abriu a alma, entre um sentimento e outro.
Sofhia terminou de tocar e permaneceu uns minutos imóvel. Com os olhos fechados e a respiração leve, deixou o lábio erguer-se mostrando a satisfação do momento. E disse:
Há no pensamento e na emoção todas as ferramentas para a existência, pois o que define o valor de algo, meu caro, senão nós mesmos?

Por um momento...


Bebia os vértices daquelas palavras doloridas, que rasgavam-lhe a garganta e a honra. Bebia fundo as vontades e as amarguras. Bebia largo os espantos e os excessos, e a saudade que o devorava como uma canção não preenchida. Bebia seus amores, amigos e emoções, e toda bela forma de existência era bebida e embebecida. Era a forma que encontrou de sucumbir os desejos eminentes de querer ser muito mais do que ele era. A forma mais imprecisa de matar a consciência que lutava para sobreviver.